Elmer Serrão: “Para ser forte, o mercado precisa de um regulador forte”

30
de
January
de
2020
Elmer Serrão: “Para ser forte, o mercado precisa de um regulador forte”

Chegou há poucas semanas ARSEG. Já tem noção das prioridades para 2020?

O Conselho de Administração terminou há dias um Plano de Actividades que vem concretizar o Plano Estratégico para 2019-2021. O Plano de Actividades pretende, entre vários objectivos para 2020, colocar enfoque em três grandes áreas. Desde logo a organização interna, onde há a necessidade de se proceder a um trabalho muito grande de reestruturar a ARSEG, com a criação de áreas que permitam, com mais facilidade e flexibilidade, cumprir com as nossas atribuições. Também me refiro à conclusão do processo de capacitação em termos de tecnologias de informação e ao reforço da capacidade de formação de quadros e de contratação de novo pessoal, preparado ou pelo menos com o perfil adequado para o exercício da função de supervisão.

E as outras vertentes?

A segunda tem a ver com algo que mercado exige, que é a questão regulatória, normativa. O diploma base do sector segurador data do ano 2000 e toda a regulamentação que sofreu terminou por volta de 2007/2008. De lá para cá, o sistema financeiro sofreu autênticas revoluções, crises, e as boas práticas foram evoluindo e sendo ajustados às novas realidades e novas formas de fazer negócio. E nós temos que dar esse impulso de reforma regulatória. O que está em causa? Isto não passa apenas pelas leis do mercado, passa, desde logo, pela própria revisão do Estatuto Orgânico da ARSEG, que confere à instituição uma feição pouco flexível. Num momento em que os reguladores nas outras geografias evoluem para um conceito de entidades administrativas independentes, é necessário que os reguladores do sistema financeiro angolano tenham essas valências e vão nesse sentido.

E a terceira prioridade?

Há as questões ligadas à promoção do mercado de seguros. Há seguros obrigatórios que ajudam a desenvolver o mercado, mas o que é certo é que, no nosso estágio actual, os desafios relacionados com esta promoção são enormes.

Pode passar pela criação de mais seguros obrigatórios?

Sim, também. Temos a questão do seguro obrigatório de importação de mercadorias, a questão da Ango-Re e do modelo de co-seguro das actividades petrolíferas. Temos ainda a questão da fiscalização da implementação dos seguros obrigatórios, designadamente, de responsabilidade civil automóvel e de acidentes de trabalho, em que fiscalização não compete à ARSEG.

Então compete a quem?

No primeiro caso, à Polícia Nacional, e no segundo, à Inspecção-Geral do Trabalho, entidades com quem nos articulamos para que a fiscalização sejam efectiva.

Há muito incumprimento?

No geral, o mercado queixa-se de que a contratação inicial, por exemplo, do seguro automóvel é um facto, mas depois a taxa de desistência é grande. Devemos trabalhar com estes dois organismos, promover a adesão a estes seguros, numa postura não necessariamente sancionatória, mas sobretudo pedagógica. Há também necessidade de melhorar a comunicação da ARSEG em geral, o que é importante na promoção. Aliás, não há processos de regulação fechados, deve haver abertura também para colher a experiência dos operadores, outros reguladores, etc..

A Ango-Re é um tema antigo, não avança. Porquê?Por causa da conjuntura económica?

Ainda nesta semana informámos a tutela de que precisamos de reavaliar o processo. É um tema estruturante, estratégico, não só para nós, mas para o País e o mercado, e seria prematuro tomar uma decisão definitiva, ou recomendá-lo ao Governo, antes de reavaliar.

O seu antecessor tinha dito há meses que iria ser feita uma reavaliação por causa da conjuntura económica. Não foi concluída?

Não, mas além da mudança das variáveis económicas de então, há outras, como a recente liberalização do mercado cambial, que afecta os estudos sobre a Ango-Re.

A estrutura accionista da Ango-RE está fechada?

Não.

E quem a decide?

Tudo depende do modelo que for proposto, sendo que há vários possíveis. O Quénia, por exemplo, tem o seu modelo, a Namíbia também.

São modelos de preponderância estatal ou privada?

Na Namíbia, estatal, no Quénia também, mas com uma forte componente privada, porque a Quénia-Re está listada em bolsa.

E que modelo teremos cá?

Seria prematuro dizer-lhe, vamos reavaliar todas as hipóteses, mas posso adiantar que existe interesse de investidores estrangeiros na Ango-Re, o que nos agrada bastante, e é sinal de que o projecto tem uma margem de sucesso grande. Mas o modelo deverá calibrar bem a possibilidade haver outras outras resseguradoras, sem prejuízo de haver alguns privilégios para a resseguradora nacional.

E em relação ao modelo de co-seguro petrolífero? Quais os próximos passos?

Sobre isso, e já agora também sobre o seguro de importação de mercadorias, posso adiantar que, tal como no caso da AngoRe, são questões muito importantes com grande impacto na indústria. Actualmente temos um modelo em que, transitoriamente, a ENSA é a líder do coseguro, competindo à ARSEG a selecção das restantes companhas da pool, tendo em conta o respeito pela solvabilidade dessas empresas.

O modelo pode ser revisto?

Temos uma proposta de diploma que evoluiu não para a liberalização total do mercado, mas para um modelo em que se mantém intervenção administrativa, mas a liderança é partilhada.

Pela ENSA e outros?

Não, liderança rotativa, mas aferida por um concurso coordenado pela Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANPG) e pela ARSEG. Neste concurso, há a escolha da líder, que não é por despacho, mas com base em critérios objectivos, e após esta escolha há novamente a intervenção da ARSEG para a escolha das restantes, sendo que qualquer seguradora pode candidatar-se a líder.

O período da rotatividade está definido?

Ainda não, mas de qualquer modo também é uma questão que não está fechada e que ponderamos reavaliar, pelo impacto que tem e pela sua importância. Tal como na Ango-Re, a roda está inventada: ou liberalizamos o mercado, ou temos um modelo intermédio ou o modelo da designação. No modelo intermédio, ou mantemos a questão como está, ou podemos ir um pouco mais longe, limitando ao máximo a intervenção administrativa. Vamos discutir estas questões e depois levá-las à consideração dos ministérios das Finanças e dos Recursos Minerais e Petróleo, em concreto, à ANPG, para encontrarmos um modelo que satisfaça os interesses de um mercado de seguros realisticamente pujante.

Como é que ARSEG olha para o processo de privatização da ENSA?

Somos apenas o regulador, não somos accionistas da ENSA...

Não há intervenção vossa... Absolutamente nenhuma, é uma questão do accionista da ENSA, nós só estamos aqui para supervisionar e regular o mercado. O nosso foco é esse - oferecer ao mercado uma regulação moderna, com mecanismos de supervisão claros e actuantes.

Onde vê mais dificuldades nas companhias? Na prestação de contas?

Temos um mercado com 28 companhias de seguros, sendo que algumas apresentam algumas dificuldades, e a questão da prestação de contas ou do relato financeiro é só uma consequência da grande dificuldade de várias, que é financeira. O cumprimento das garantias financeiras nem sempre é feito como a lei exige, refiro-me por exemplo à margem de solvência, que por vezes é cumprida com muitas dificuldades por parte de algumas seguradoras. Temos um programa de acompanhamento para essas companhias...

São muitas?

São mais as que estão bem do que as que estão mal, mas, de qualquer modo, neste programa, a seguradora compromete-se a apresentar um plano de recuperação que a ARSEG analisa, faz sugestões, comentários e o acompanhamento da sua implementação.

Há um prazo definido?

Estabelecemos o acompanhamento por um ano, que podemos estender, ou então tomamos outras medidas que a lei prevê, nomeadamente a nossa intervenção.

O BNA tem sido mais actuante. A ideia é essa?

Temos as mesmas prerrogativas.

Mas não as têm levado às últimas consequências... Porque tal não será adequado sem esgotar primeiros outros mecanismos que a lei permite.

Em que medida o regulador pode ser mais forte do que é?

Um regulador quer-se sempre forte – aliás o mercado, para ser forte, precisa de um regulador forte. A regulação permite precisamente que o mercado cresça. Um dos aspectos positivos da regulação tem a ver com a possibilidade de os reguladores fazerem parte de determinados organismos internacionais que divulgam, elaboram e advogam os standards de regulação da indústria, alinhados com as boas práticas. Isso permite maior visibilidade e reconhecimento do regulador, e ganhos reputacionais para o nosso próprio mercado.

Ou seja, devemos alinhar algumas normas com as melhores praticas internacionais...

Exacto.

Já existem alguns fundos de pensões, mas é preciso que ganhem escala. Como é que se promove esta cultura?

É literacia financeira. Estamos a trabalhar com o Ministério da Educação na inserção de conteúdos sobre seguros, poupança e produtos do sector nos programas. Também temos trabalhado com o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira (CNEF) de modo a cumprir com todas as acções do Programa Nacional de Integração Financeira. O que se pretendia era, sem prejuízo das acções específicas de cada um dos reguladores, no quadro do incremento dos níveis de literacia financeira, que

existisse uma frente coligada, comandada pelo CNEF, para levar a cabo estas iniciativas: palestras, concursos que premeiam os melhores e mais destacados programas, brochuras, conteúdos, eventos, para criar esse ambiente de promoção de literacia e educação financeira, criar mais consciência da necessidade de poupar, dar visibilidade aos produtos do sector, incluindo os que são gerido pelos fundos de pensões.

Os fundos são importantes também para o mercado de capitais...

A sua importância é imensa e não se inventa a roda: eles são estruturas que captam poupança de longo prazo, e os produtos do mercado também o são, portanto, ‘casam’ bem.

A bolsa de acções será um instrumento importante...

Os fundos de pensões e as seguradoras são, por excelência, os investidores institucionais do mercado de acções. A regulação sobre os fundos de pensões também está nas nossas prioridades e vai sofrer uma revisão, desde o aspecto fiscal, até à questão dos limites, dos activos e do modelo de investimento dos fundos, ambos podem ser melhorados.

Sendo a diversificação da economia e o combate à corrupção as principais ‘bandeiras’ do Executivo, quais têm sido as principais acções da ARSEG para contribuir para este desiderato?

As principais acções estão voltadas para a revisão da legislação do sector, no sentido de adequá-la aos melhores princípios e práticas internacionais, bem como prepará-la para o fomento de novos produtos de seguros. Realce-se, neste âmbito, o seguro de importação e o seguro agrícola, a criação de novos canais de distribuição, como o e-selling, e o incentivo da formação de mediadores para o exercício da actividade de mediação.

Quais as consequências da desvalorização da moeda no sector?

A desvalorização cambial teve significativo impacto no sector, sobretudo nas contas finais. Note-se, por exemplo que, em 2018, o sector arrecadou mais cerca de 5 mil milhões Kz relativamente ao 014, cuja produtividade reflectiu-se em cerca de 2%, e, no entanto, tal evolução da produção representa apenas cerca de 1% na actual conjuntura.

Fonte:
mercado.co.ao

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